terça-feira, 24 de abril de 2007

Prof. Gilson Schwartz. aponta alternativa à “inclusão digital”


Entrevista
[ foto : TALITA ABRAN, Jornal do Campus, Escola de Comunicação e Artes, USP, Segunda quinzena de abril de 2007, número 321, ano 25, paginas 1 e 6]

A aparente integração possibilitada pelas redes virtuais é desmistificada na análise do professor da Escola de Comunicações e Artes, Gilson Schwartz. O Orkut, o Google, o Big Brother Brasil e USP são contextualizados por Schwartz. Ele defende que na atualidade já não é suficiente estar incluído digialmente. Faz-se mais ne cessário ser emancipado digitalmente, forma que o indivíduo possa fazer um uso correto das ferramentas. Ele fala da necessidade de se fazer um uso consciente da Internet para se beneficiar em uma sociedade conectada em rede. Faz uma analise dos fenômenos das mídias digitais e considera surpreendentes os avanços tecnológicos que não chegam a todos e tampouco abrangem a Universidade em sua totalidade.





Entrevista, Sociedade Digital
“O que eu faço nessa rede, o que essa rede faz por mim?”
Julia Zanolliul
Talita Abrantes, fotos,


Crítico atento das mídias digitais, Gilson Schwartz assistiu nos últimos anos à explosão do fenômeno de massa na rede. Enquanto o Programa Cidade do Conhecimento, do qual ele é diretor acadêmico, preconizava uma série de iniciativas que conciliavam educação e desenvolvimento com as novas tecnologias digitais, a internet vivia a febre das redes de relacionamento, com seu ápice no ano de 2004 com o Orkut. Não por acaso, Schwartz cunhou o termo “emancipação digital” em oposição à corriqueira tese da “inclusão digital”.
Jornal do Campus: Que mudanças os meios digitais promoveram na economia?
Gilson Schwartz: A grande novidade do meio digital não é o digital em si, mas o fato de que este meio traz o conteúdo para o primeiro plano. Por isso sou contra a noção de inclusão digital. Por serem bits que circulam, a importância do digital é que ele é informação. A economia digital é economia da informação e não da tecnologia de bits. Na disciplina Iconomia que eu ministro aqui na Universidade de São Paulo, a unidade básica de informação, o ícone, é capaz de gerar valor. Assim, é uma teoria do valor informação que circula pelo meio digital.
“Na USP as estruturas são departamentais, feudais, numa época de rede” [caption da foto]
JC: De que forma seu conceito de emancipação digital é inserido nesse caso?
GS: A idéia é colocar a questão do conteúdo do digital em primeiro plano. Ao falar emancipação digital já coloco, um problema. Ao invés de olhar para o digital e falar: “oba, eu quero entrar aí dentro”, proponho questões de juízo de valor, de ética, de política, de segurança e de liberdade da informação. Se simples mente quero entrar, o cenário do “Big Brother” se torna mais presente. A emancipação, também pode culminar em “Big Brother”, mas também pode gerar manipulações coletivas desta inteligência digital.
JC: Como é possível o coletivismo digital em uma sociedade tão desigual quanto a brasileira?
GS: A sociedade do século 21 quer pessoas que atuem em rede de maneira colaborativa. Tanto que até os autores mais pró-mercado admitem que o capitalismo precisa desta inteligência coletiva. Agora,
JC: O modelo atual das mídias digitais é excludente?
GS: O ecossistema dessa sociedade tecnológica ainda não encontrou o ponto de equilíbrio entre o modelo proprietário do capitalismo do século 19 e esse modelo que tem de fato, a questão é como estar qualificado para essas oportunidades do século 21 se toda a minha formação está jogando água no moinho da desigualdade? Se ainda estamos em uma sociedade escravocrata?
JC: O modelo atual das mídias digitais é excludente?
GS: O ecossistema dessa sociedade tecnológica ainda não encontrou o ponto de equilíbrio entre o modelo proprietário do capitalismo do século 19 e esse modelo que tem vários territórios de liberdade e de relações não mercantis. A combinação do livre e do proprietário ainda é um processo em negociação.
JC: E como se dá este processo? Quais as implicações deste modelo pra a emancipação digital?
GS: E claro que se você deixar o processo correr solto acontecerá na área digital igual aconteceu na siderurgia, na metalurgia. Processos de centralização de capitais e exclusão. Mas, a questão está colocada. Qual vai ser o peso dessas duas facetas da mesma realidade? Deixadas ao sabor das forças econômicas e poli ficas dominantes apenas reforça a presença da exclusão. No entanto, como tantas outras tecnologias do passado é um conhecimento que democratizado pode levar a alguma melhora na distribuição de renda. Agora, o controle por este conhecimento é um controle por sobrevivência neste cenário complexo. Para continuar evoluindo é preciso ter domínio desta ferramenta.
“A minha questão fundamental é conteúdo [ Internet 1 ser mal encaminha 1o para a população” [caption da foto]
JC: E como você acha que a USP está se posicionando diante disso?
GS: Eu cheguei à USP há dez anos, só posso dizer o seguinte: tem espaço na Universidade. Se não tivesse espaço, não teria acontecido a Cidade do Conhecimento. Dificuldades, ritmos, burocracias existem. Tem horas que eu me sentia como um despachante. No entanto eu não posso dizer que a USP esteja fecha da para o tema, pelo contrário. Dito isso, eu acredito que a USP está no prejuízo. A Universidade está atrasada em uma trajetória que está se revelando muito mais rápida do que a gente poderia imaginar. São vários centros de excelência inter nacional, mas a Instituição ainda não encontrou uma medida. O conteúdo é mal encaminhado. O Brasil vendeu sete milhões de PCs e a performance escolar no país continua caindo. Alguma sinapse não está ocorrendo. Enquanto não acontecer essa conexão, pode comprar máquina à vontade, pode colocar banda larga que as pessoas vão continuar votando no “Big Brother”.
JC: Como isso acontece dentro da USP?
GS: Na USP pesa muito o fato das estruturas serem departamentais, feudais, numa época de rede. Esse pluralismo que é muito saudável na USP também tem um custo, que é a dispersão. E preciso juntar muita gente para que algo público, livre, tenha qualidade. Senão você fica entre um público de má qualidade e um privado de má qualidade.
JC: Você afirma existir espaço dentro da universidade para iniciativas inovadoras na área da tecnologia digital. O que impede que elas se concretizem?
GS: Assim que a Cidade do Conhecimento começou, eu e o professor Imre Simon [do Instituto de Matemática e Estatística], um dos mentores do projeto, chamamos o webdesigner do IEA (Instituto de Estudos Avançados), Mauro Beleza, para publicar os conteúdos produzidos pelos professores do Ensino Médio que faziam o curso. Antes mesmo de existir o conceito de blog, criamos o primeiro blog em 2001. Nós fizemos a primeira Wikipédia na época em que não existia Wikipédia. Havia um software que permitia a distribuição da autoria. E assim, nos anos de 2002 e 2003 criamos o Dicionário do Trabalho Vivo, que é um dicionário de profissões feito por trabalhadores e estudantes. A questão é que no mesmo período em que fazíamos estes experimentos, tínhamos que perder tempo enfrentando 15 mil burocracias. Enquanto isso, dois estudantes criaram a Wikipédia e o Google. Eles são estudantes como vários que passaram pela Cidade do Conhecimento e que tiveram idéias fantásticas. A desvantagem competitiva não é dada pelo nível de inteligência, mas é determinada pelo contexto institucional.
JC: O problema é excessiva burocracia, então...
GS: O problema é que aqui o sistema anda em um ritmo menor, com regras de acesso ainda complicadíssimas, com fórmulas de monitoramento ultrapassadas. A inteligência existe, mas do ponto de vista de inteligência coletiva ela é muito baixa. Lá, boas idéias têm condições de gerar valor e se espalhar pelo mundo porque os investimentos vão para uma rede modernizada. Já aqui, temos um fundo de aproximadamente 5 bilhões de reais, do qual não é gasto sequer um centavo por falta de vontade política. Embora os brasileiros estejam na ponta e haja recursos, falta uma estrutura de apoio ao conhecimento e agilidade na conexão da universidade com as empresas, ONGs e governo.
JC: Como você avalia uma ferramenta como a Wikipédia, na qual um usuário é, ao mesmo tempo, autor, editor e leitor das in formações?
GS: Vamos começar a discutir agora no IEA o modelo sugerido por Yochai Benkler, autor do livro The Wealth of Networks (A riqueza das redes). Vamos fazer um ciclo para discutir o modelo Google versus o modelo Wikipédia. O autor contrapõe o modelo cooperativo, cujo exemplo mais conhecido é a Wikipédia, com modelos proprietários, que estão na linha do controle, propriedade do conhecimento, propriedade da tecnologia, exclusão. O Orkut, por exemplo, faz parte do modelo do século 19. Eu diria que essa rede de relacionamentos não é emancipatória, mas é uma imensa oportunidade de aprendizado.
JC: Isso não depende muito da postura do intenauta?
GS: Sim, porque o cara que ficou no Orkut de repente vai descobrir que está de saco cheio de dar todos os dados do seu comportamento para o cara de marketing que está lá em Nova York e vai entrar na Cidade do Conhecimento. Se você está pagando para estar conectado em rede e os seus dados estão sendo utilizados por departamentos de marketing você é incluído, mas não emancipado digitalmente. No orkut, você não tem acesso aos dados. Quando você tiver esse click, aí você saiu da inclusão e passou a buscar uma emancipação. Pra quem eu dou os meus dados? Isso é seguro? O que eu faço nessa rede, o que essa rede faz por mim?
JC: Então você acredita que para existir a emancipação digital é necessário um programa de educação? As pessoas precisam ser educadas para isso?
GS: Essa questão é política. O conhecimento serve para controlar o que, quem controla o conhecimento e quem você controla com o conhecimento. Essa é uma questão política, que o Paulo Freire já colocava. Quando ele falava de alfabetização, ele não estava discutindo o formato da letra, ele estava discutindo quem controla o discurso que vai ser construído a partir daquele tipo de alfabetização.
JC: O que um usuário deve fazer para passar da inclusão digital para a emancipação digital?
GS: O uso que se faz da tecnologia realmente é uma condição para alcançar a emancipação. Não existe mais o humano, nós já estamos na época de hibridismo do humano com o digital. E inviável. Nós já estamos totalmente misturados com essa rede. Eu vi uma frase em um livro sobre a evolução do design nos produtos de uma em presa que dizia o seguinte: “olhar para uma cidade do alto parece com um chip visto no microscópio. Mas assim como a aparência da cidade diz muito sobre as pessoas que vivem nela, a estrutura desse chip poderia dizer muito sobre a que o utiliza”.
“A combinação do livre e do proprietário ainda é um processo em negociação” [caption da foto]
“A desvantagem competitiva não é dada pelo nível de inteligência, mas é determinada pelo contexto institucional” [caption da foto]

GILSON SCHWARTZ
Possui graduação em Economia e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, mestrado e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas. Desde 2005 é professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP. Colaborou entre 1983 e 2006 como articulista, editorialista e analista econômico do jornal “Folha de S.Paulo” e, a partir de 2007, é colaborador da Editora Globo na revista “Época”. Cria dor da disciplina “introdução à Iconomia”, para graduandos de Engenha ria, Economia, Administração, Contabilidade, Matemática, Estatística, Comunicações e Artes. Criou em 1999, no Instituto de Estudos Avançados da USP o grupo de pesquisa “Cidade do Conhecimento”, do qual participa como Diretor Acadêmico.

Software inova na sala de aula
Fruto da parceria entre a Cidade do Conhecimento e a empresa incubada no Cietec, P3D, o projeto “Educar pela Emancipação Digital” foi inaugurado no sábado 14 de abril. Na ocasião professores de escolas conveniadas ao projeto participaram de um laboratório de familiarização com um programa digital desenvolvido pela empresa.
O software da P3D oferece apoio didático às aulas de Geografia e Biologia por meio de imagens tridimensionais. “O produto não interfere na atuação pedagógica do professor, mas otimiza o seu tempo”, afirma Jane Vieira, gerente da P3D no Brasil.
Até agora esta inovação alcançou restrito grupo - das escolas presentes no evento, somente duas eram da rede pública de ensino. Para ter acesso ao software é preciso despender R$ 900, além de gastos com a compra de hardwares. Segundo Gilson Schwartz, as pesquisas para redução deste custo começarão em breve.